Ganhou destaque nos jornais do último dia 8 de fevereiro a informação de que o Ibama chegou a um acordo com Belo Monte sobre o fluxo de água que a usina deve liberar para o rio Xingu, no Pará. A notícia merece atenção não só pela magnitude dos atores e fatores envolvidos, mas também por suas consequências.
O caso ganhou as manchetes em janeiro depois de o Ibama ter exigido que a Norte Energia, responsável pelo empreendimento, aumentasse a vazão de água para mitigar os impactos ambientais da usina hidrelétrica de Belo Monte. Essa medida, no entanto, acarretou efeitos negativos na capacidade de produção de energia.
Por conta disso, o Ministério de Minas e Energia e representantes do setor elétrico também entraram na discussão para contestar a decisão do órgão ambiental. E a situação se arrastou por dias até ser resolvida com o termo de compromisso assinado no início de fevereiro.
Mas, afinal, o que vai mudar com esse acordo? Quais serão as consequências para o ecossistema do Xingu? Como isso impactará nos preços da conta de luz de lares e empresas?
Essas são as respostas que você encontrará neste artigo. Mas, para isso, é essencial voltar um pouco no tempo e saber como estava a situação antes do acordo.
Como a Belo Monte operava antes do acordo com o Ibama?
O processo de licenciamento ambiental da usina de Belo Monte esteve envolto em polêmicas desde os primórdios do projeto, ainda na década de 1980. Seus críticos sempre ressaltaram não apenas os efeitos negativos ao meio ambiente, mas também os impactos sociais na população local que depende do rio Xingu.
Após muita discussão, o Ibama concedeu, em junho de 2011, a licença de instalação à Norte Energia. Quase cinco anos depois, em maio de 2016, Belo Monte foi oficialmente inaugurada como a quarta maior hidrelétrica do mundo em potência instalada, com 11.233 megawatts.
Atualmente, a usina opera com base em dois hidrogramas para determinar a quantidade de água que liberará no trecho de vazão reduzida da Volta Grande do Xingu e quanto usará para alimentar suas turbinas. Os chamados hidrogramas A e B preveem vazões distintas de acordo com a época do ano, como podemos ver no gráfico abaixo:
Como você deve ter percebido, esse gráfico também inclui o hidrograma exigido pelo Ibama, com números bem superiores aos da Norte Energia. E isso nos ajuda a entender porque o órgão ambiental decidiu contestar a quantidade de água que estava sendo liberada para o Xingu.
Por que o Ibama interferiu nas operações de Belo Monte?
Em janeiro deste ano, a Norte Energia tinha programado liberar 1.100 metros cúbicos de água por segundo em um trecho de vazão reduzida do rio Xingu. O Ibama, no entanto, exigiu que a liberação fosse de 3.100 m³/s para tentar mitigar os impactos sociais e ambientais da usina hidrelétrica de Belo Monte na região.
No final daquele mês, o órgão ambiental determinou outro aumento na liberação para esse mesmo trecho do rio no período entre 1 a 7 de fevereiro. Enquanto a usina pretendia operar com vazão de 1,6 mil m³/s, o Ibama determinou que esta fosse da ordem de 10,9 mil m³/s.
A Norte Energia chegou a apresentar um estudo complementar para justificar a adoção do chamado hidrograma B para essa época do ano. Porém, o documento foi rejeitado pelo órgão ambiental.
De acordo com relatórios do Ibama, tanto o hidrograma A quanto o B estão causando danos em um trecho de 130 quilômetros de extensão chamado Volta Grande do Xingu. Alguns exemplos dos impactos ambientais e sociais são:
- Falta de garantia de migração de espécies para áreas alagadas;
- Mudanças ecológicas nas espécies capturadas e no modo de vida dos indígenas;
- Vazões insuficientes para inundar planícies aluviais, comprometendo a alimentação dos peixes;
- Necessidade de tratamento da água para consumo.
Para propor um hidrograma sete vezes superior à Norte Energia, o Ibama lembrou que mesmo os 10,9 mil m³/s não chegariam perto da média histórica da vazão natural em fevereiro, de cerca de 14 mil m³/s. Mesmo assim, essa decisão acionou um alerta em todo o setor elétrico brasileiro.
Os efeitos do aumento da vazão de Belo Monte no setor elétrico
Assim que a determinação do Ibama foi divulgada, tanto o Ministério de Minas e Energia quanto membros do setor elétrico entraram no circuito para contestá-la. A alegação foi que o aumento da vazão acarretaria efeitos pesados na capacidade de geração de Belo Monte.
Em um post anterior do blog, nós detalhamos o impacto dos níveis dos reservatórios no preço da energia. O gráfico abaixo mostra como seria a diferença de geração entre os hidrogramas A e B de Belo Monte e o hidrograma proposto pelo Ibama:
Com a redução do volume, a solução seria compensar a defasagem com outros tipos de geração de energia, como as usinas térmicas. No entanto, estas, além de caras, são mais poluentes e também causam impactos ambientais.
De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o custo dessa aquisição, considerando apenas janeiro e fevereiro, seria de cerca de R$ 1,3 bilhão. Esse valor deverá ser dividido entre todos os consumidores na conta de luz.
A restrição de geração em Belo Monte, junto a outros fatores como a alta do do dólar e do IGPM e a baixa quantidade de chuvas, fez o diretor-geral da Aneel, André Pepitone, prever um quadro desanimador:
“Estamos buscando medidas para conter a escalada tarifária. Mas cada setor tem que ajudar um pouco. As nossas áreas técnicas já fazem estimativas e sinalizam que, se nada for feito, o reajuste em 2021, média Brasil, está na casa dos 13%.”
Enquanto a ameaça de um aumento considerável na conta de luz de todos os consumidores aumentava, enfim chegou a notícia que tantos esperavam: Belo Monte e Ibama finalmente haviam selado um acordo.
Como será a operação de Belo Monte após o acordo com o Ibama?
Em um fato relevante divulgado no dia 8 de fevereiro, a Norte Energia informou da assinatura de um termo de compromisso com o Ibama. Esse documento estabelece que a empresa irá operar o hidrograma B durante todo o ano de 2021, tal qual o preconizado no licenciamento ambiental da usina de Belo Monte.
Para operar nessas condições, a Norte Energia precisou aceitar medidas adicionais estabelecidas pelo Ibama. Para minimizar os impactos no trecho de vazão reduzida, a empresa terá que aplicar R$ 157 milhões em programas e ações ao longo dos próximos três anos.
De acordo com uma nota do Ibama, a Norte Energia se comprometeu a:
- Executar o projeto experimental de alimentação e reprodução da fauna afetada;
- Desenvolver pesquisas e monitoramento das espécies;
- Recompor a cobertura vegetal impactada;
- Realizar ações de reparação para as comunidades humanas locais.
Com a Norte Energia se comprometendo com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável da região, o acordo foi muito bem recebido pelo setor. De acordo com cálculos do mercado, caso as restrições fossem mantidas, a usina teria que arcar com um custo adicional de R$ 4 bilhões a R$ 10 bilhões.
O compromisso selado entre Belo Monte e Ibama também é uma boa notícia para todos os consumidores do país. Afinal, além de afastar o temor de problemas com déficit de energia, também representa um alívio no cálculo da conta de luz.
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Imagem da capa: Divulgação Belo Monte